A recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender nacionalmente todos os processos que discutem a legalidade da pejotização — contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas — gerou forte reação da magistratura trabalhista. Na última quarta-feira (7), juízes do Trabalho realizaram manifestações em várias capitais do país em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho.
No Rio de Janeiro, o ato foi realizado em frente ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no centro da cidade. A mobilização contou com o apoio das 24 Amatras (Associações de Magistrados do Trabalho), da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) e da Abrat (Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista). Juntas, essas entidades assinaram um manifesto reafirmando a importância da Justiça do Trabalho para a sociedade brasileira.
A suspensão dos processos foi determinada em 14 de abril, no âmbito do Tema 1389 de repercussão geral. A medida atinge ações em diferentes fases processuais e impacta diretamente setores como tecnologia, saúde e economia digital — especialmente plataformas que têm adotado com frequência esse tipo de contratação.
Para a juíza Daniela Muller, presidente da Amatra1, a decisão do STF aumenta a insegurança jurídica:
“Apesar da importância do tema, a falta de prazo para o julgamento de mérito compromete o andamento de processos sensíveis, inclusive ações sobre trabalho análogo à escravidão”, afirmou.
O juiz Ronaldo Callado, da 5ª Vara do Trabalho do Rio e secretário-geral da Anamatra, também alertou para as possíveis consequências da decisão:
“Essa suspensão afeta milhares de processos. Caso o STF decida que a Justiça do Trabalho não tem competência, todos esses casos irão para a Justiça comum, que não tem a mesma agilidade nem o olhar social que caracteriza nossa atuação.”
Ele ainda destacou o risco de esvaziamento da Justiça do Trabalho:
“Se a decisão for mantida, as empresas poderão intensificar contratações sem vínculo empregatício real. Quem vai querer contratar sob o regime da CLT se pode contratar como PJ, sem fiscalização efetiva?”
Outro ponto levantado por Callado é o impacto na arrecadação do Estado:
“A pejotização disfarçada pode reduzir a arrecadação de tributos como o INSS, já que vínculos formais deixam de existir. Isso afeta diretamente a sustentabilidade da Previdência e outros fundos públicos.”
A juíza Taciela Cordeiro Cylleno, diretora da Ajutra e titular da 9ª Vara do Trabalho do Rio, expressou preocupação com a possível transferência de competências para a Justiça comum:
“A Justiça do Trabalho tem preparo técnico, experiência prática e missão constitucional para lidar com todas as formas de relação de trabalho. Tirar isso dela em meio a transformações tecnológicas e novas formas de emprego é perigoso.”
Ela também alertou que, embora a decisão não represente por si só a perda total de competência da Justiça do Trabalho, abre precedente para uma série de outras mudanças prejudiciais.
O juiz Rafael Pazos Dias, diretor de Prerrogativas da Amatra1, reforçou essa visão:
“Essa decisão não é isolada. Faz parte de uma tendência recente do STF de restringir a competência da Justiça do Trabalho e ampliar a aceitação de formas de contratação que evitam a formalização.”
Em Brasília, o ato ocorreu no Foro Trabalhista da capital federal, com a participação de diversas entidades jurídicas e trabalhistas, incluindo a Amatra10, OAB-DF e a AATDF.
A mobilização dos magistrados foi clara: é preciso defender a Justiça do Trabalho como o espaço legítimo para resolver os conflitos trabalhistas, especialmente diante das mudanças no mundo do trabalho e das crescentes tentativas de flexibilizar os direitos dos trabalhadores por meio da pejotização.